terça-feira, 30 de maio de 2017

Negociação direta poderá gerar novas ações judiciais.

Mantida pelo relator da reforma trabalhista no Senado, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), a regulamentação do contrato individual de trabalho, negociado diretamente entre empresa e empregado, poderá aumentar a demanda pela Justiça. Especialistas afirmam que a medida, prevista como uma possibilidade de redução de custos, traria o risco de novos processos judiciais. Trabalhadores poderão alegar que foram coagidos a aceitar as condições de trabalho.
Pelo substitutivo do Projeto de Lei nº 6.787, de 2016, aprovado na Câmara dos Deputados, as empresas poderão instituir, por meio do contrato individual de trabalho, jornada de 12 horas por 36 horas de descanso, compensação de jornada por meio de banco de horas, home-office e divisão de férias em até três períodos. Gera dúvidas, porém, se a negociação – prevista inclusive para o curso do contrato – poderá ser feita com todos os trabalhadores ou apenas com os mais qualificados, com salários acima de R$ 11 mil.
O senador Ferraço até manifestou-se contra a instituição da jornada de 12 horas por meio de acordo individual, por entender que o trabalhador “pode ser compelido a jornadas extenuantes”. Porém, decidiu não alterar em nada o projeto, lido na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), para que não precise retornar à Câmara dos Deputados. Pretende apenas sugerir vetos ao presidente da República. O texto, porém, ainda será votado em três comissões no Senado. Atualmente, a jornada de 12 horas e o banco de horas, por exemplo, só podem ser estipulados por acordo coletivo.
A justificativa do senador para manter em seu parecer a possibilidade de negociação direta foi a de que seria adotada apenas para trabalhadores “hipersuficientes”. Ou seja, “por profissionais disputados no mercado de trabalho que, por possuírem considerável poder de veto e poder de barganha, podem negociar com autonomia as condições de seu contrato, sem a tutela de sindicato, conforme o artigo 444 da CLT, na forma do PLC [Projeto de Lei da Câmara]”.
Porém, artigos específicos da proposta, como o 59-A (que trata de banco de horas) e o 59-B (jornada de 12 horas), têm gerado entre advogados dúvidas sobre o alcance da medida. Os dispositivos não trazem expressamente um limite, abrindo a possibilidade de a negociação direta ser adotada para todos os casos. Pela reforma, trabalhador hipersuficiente é aquele com nível superior e salário igual ou superior a duas vezes o teto de salário de contribuição do INSS (cerca de R$ 11 mil reais).
Para o advogado Peterson Vilela, do L.O. Baptista Advogados, a negociação só poderia ser feita com profissionais mais qualificados. “Caso contrário, quem se sentir lesado certamente irá à Justiça do Trabalho”, diz. Esse trabalhador hipersuficiente teria mais poder para impor condições à empresa. “É claro que no contexto atual de crise econômica, com milhões de desempregados, o trabalhador acabaria se sujeitando à proposta apresentada. Mas em outro contexto poderia negociar.”
A gerente jurídica da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Luciana Freire, concorda e acredita que a negociação direta só poderá ser adotada em casos excepcionais e para salários mais altos.
Apesar de haver em outros países previsão de contratos diferenciados para executivos de alto escalão, Otávio Pinto e Silva, advogado do Siqueira Castro Advogados e professor da Universidade de São Paulo (USP), lembra que a Constituição não faz diferenciação por salário. A redação do projeto, segundo Welton Guerra, do escritório Miguel Neto Advogados, dá margem para que possa valer para todos os trabalhadores, já que alguns artigos não fazem a distinção e todos teriam capacidade para negociar.
Nessas negociações, o trabalhador poderia abrir mão de alguns direitos menos importantes em troca de outros que considere mais relevantes, segundo o advogado Raimar Machado, presidente da Comissão de Direito Social da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Comissão de Justiça do Trabalho da seccional gaúcha. Porém, o projeto de lei não estabelece a obrigação de contrapartida, o que considera uma desvantagem.
Há especialistas, porém, que avaliam a medida como “perigosa”. Para a advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados Associados, professora da FGV-Rio e PUC-Rio, “ess e ponto da reforma exige uma maturidade que o trabalhador brasileiro não tem”. Ela lembra que o contrato de emprego caracteriza subordinação “e se o chefe dá ordens, o trabalhador é obrigado a aceitar”.
O procurador-geral do trabalho, Ronaldo Fleury, afirma que comentou sobre essa previsão em reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que gerou risos entre técnicos. “É algo que não tem parâmetro no mundo inteiro. Seria como uma criança querer fazer acordo com a mãe com o chinelo na mão”, diz.
Para Fleury, se o empregado não aceitar as condições será demitido. “Acordo individual não funciona no mundo inteiro. Por que funcionaria aqui? Será que o nível de igualdade aqui entre empregador e empregado é maior? Pelo contrário, é um dos piores que existe. É, portanto, uma proposta divorciada da realidade do mercado de trabalho.”
No entendimento do juiz da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP) Jorge Souto Maior, jurista e professor da USP, a negociação poderia ser feita por qualquer trabalhador, o que fará com que comecem a concorrer entre si. “Ganhará quem estiver disposto a um sacrifício maior, tornando de submissão essa relação empregador-empregado, como havia no Brasil e no mundo antes de 1919, quando foi constituída a OIT”, afirma.
Mesmo para funcionários com salários acima de R$ 11 mil, o juiz considera um equívoco acreditar que poderão atingir um patamar de igualdade com o empregador. “Não é um salário que representa independência econômica e quem aceitar menos direitos terá maiores possibilidades de entrar no mercado.”
Na prática, essas negociações poderão ser anuladas na Justiça, se houver prova de coação, segundo a advogada Fabíola Marques, professora da PUC-SP. Para a advogada Beatriz Dainese, do Giugliani Advogados, porém, vai depender muito do texto do contrato. “Direitos adquiridos, como plano de saúde, vale-transporte e vale-alimentação, deverão ser mantidos para não reduzir a remuneração do trabalhador”, diz.
O advogado Estevão Mallet, professor da USP, lembra que o artigo 9º da CLT, mantido intacto pela reforma, impede a negociação direta. Diz o artigo que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. Para ele, o dispositivo se aplica porque os trabalhadores estão em condição de vulnerabilidade perante as empresas.
Alguns pontos já são negociados diretamente, como o bônus de contratação, no qual em troca é exigida do trabalhador a permanência na companhia por determinado período. Porém, acordos têm sido questionados judicialmente, por não haver previsão legal, segundo o advogado Decio Daidone Junior, do escritório ASBZ Advogados. “Há diversas ações em que se discute, por exemplo, se a parcela negociada é salarial. Se assim for considerada, haverá repercussão no cálculo de outras verbas, como 13º salário, férias e FGTS”, afirma.
Fonte: Valor Econômico, por Adriana Aguiar, Laura Ignacio e Beatriz Olivon, 29.05.2017

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Jornada intermitente pode ficar restrita a serviços.

O relator da reforma trabalhista, senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES), pretende deixar explícito em seu relatório os pontos que acha necessário modificar na proposta. Ele deve incluílos não diretamente no texto principal, mas mencionará uma lista de itens na introdução. Entre eles, estará a restrição da jornada intermitente (que permite pagamento por hora trabalhada) apenas ao setor de serviços.
Ferraço já havia sinalizado que alteraria o artigo. Para ele, a permissão para esse modelo de jornada está muito “aberta”. O senador não mudará diretamente o texto porque, nesse caso, o projeto teria que voltar para a Câmara, o que desagrada ao governo, que tem pressa. A ideia que está sobre a mesa é a elaboração de uma medida provisória que trate desses temas separadamente.
Os detalhes das mudanças e o cronograma das atividades no Senado serão definidos em reunião hoje entre o presidente Michel Temer; a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), presidente da Comissão de Assuntos Sociais (CAS); Ferraço, que acumula a relatoria na CAS e na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE); e Romero Jucá (PMDB-RR), relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
— Algumas correções pontuais poderão ocorrer, mas não queremos que, votado na CAE e na CAS, haja uma modificação de última hora, seja na CCJ ou depois — disse o senador Aécio Neves (PSDB-MG), depois de reunião ontem no Palácio do Planalto.
Para Aécio, as futuras modificações na reforma, mesmo que sejam em MP, precisam ser negociadas com a base:
— Eventuais flexibilizações que possam vir a ocorrer têm que ser compartilhadas pelo conjunto da base. O presidente assumiu conosco o compromisso de fazer essa travessia juntos.
O relator já sinalizou com outras mudanças que devem constar em seu relatório. Ele é contrário, por exemplo, à permissão para que gestantes trabalhem em locais de insalubridade média e mínima, a menos que apresentem atestado médico. Ele também se opõe à extinção do intervalo de 15 minutos dado a mulheres quando elas tiverem que fazer horas extras.
O martelo ainda não está batido em relação a uma possível mudança na redação do artigo que prevê o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. O governo está disposto a tornar esse fim gradual, para acalmar os sindicatos, sobretudo o presidente da Força Sindical, deputado Paulinho da Força. Ferraço, no entanto, quer o fim imediato da obrigatoriedade e argumentou com Temer que isso não geraria apoio ao governo.
— O sinal do presidente em relação à contribuição sindical opcional é exatamente igual ao nosso. É necessário não retroceder em relação a esse ponto — completou Ferraço.
Fonte: O Globo, por Bárbara Nascimento e Júnia Gama, 17.05.2017