domingo, 22 de outubro de 2017

Companhias dividem custo de plano de saúde com empregado

Companhias dividem custo de plano de saúde com empregado.

O número de empresas que repassam parte do custo do plano de saúde aos funcionários vem aumentando nos últimos anos, na tentativa de reduzir gastos e driblar as altas no preço dos planos. Para mudar os hábitos dos empregados e tentar diminuir o uso, a preferência tem sido pelo modelo de coparticipação.
A conclusão é de pesquisa da consultoria Mercer Marsch Benefícios com 690 grandes e médias empresas, nacionais e multinacionais, de 30 segmentos da economia. Este ano, 66% delas reportam adotar o modelo de coparticipação, que consiste no funcionário pagar uma parcela de procedimentos como consultas e exames. Em 2015, última pesquisa realizada, esse número era 51%, e em 2013, 43%. A participação dos funcionários nesse modelo é, em média, de 23% do valor.
Segundo Mariana Dias Lucon, líder da área de consultoria da Mercer Marsh Benefícios, esse número inclui tanto empresas que não tinham o modelo e passaram a adotá-lo quanto aquelas que ampliaram os procedimentos nos quais a contribuição do funcionário é exigida. O movimento, segundo ela, acompanha a crise. “Temos visto empresas procurando toda e qualquer oportunidade de ter redução de custo, seja coparticipação, redesenho do plano, troca de fornecedor”, diz. Entre 2012 e 2017, a pesquisa calcula que o custo médio por pessoa dos planos de saúde cresceu mais de 100%, bem acima da inflação no período. Metade das empresas ainda pretendem fazer mudanças nos programas e 47% consideram trocar de fornecedor nos próximos dois anos./ p>
Em 43% das companhias, é adotado o modelo de contribuição fixa, em que o funcionário paga uma parcela da mensalidade do plano, independentemente do uso. Ele pode ou não estar combinado com a coparticipação nos procedimentos, caso de 26% das empresas. Mariana explica, no entanto, que a contribuição mensal pode gerar a extensão do benefício após o desligamento ou aposentadoria do funcionário, o que acaba aumentando os custos e o risco de processos trabalhistas. “Muitas empresas têm fugido desse modelo e tentado compensar com a coparticipação”, diz.
A coparticipação também funciona como uma medida “educacional”, diz a consultora. “Vemos as empresas usando o método para tentar controlar o uso do plano e aculturar a população de que toda vez que há uso, há custo”, diz. A tendência se reflete na procura das companhias por mais programas de saúde e bem-estar, também motivadas pela perspectiva de redução de custo. O investimento nesse tipo de programa aumentou 21% desde 2015, e mais da metade das empresas (52%) têm planos de começar ou aumentar essas iniciativas ao longo dos próximos dois anos.
Esses programas incluem o mapeamento das questões de saúde que mais impactam os funcionários da empresa, para desenvolvimento de planos de acompanhamento ou prevenção. São comuns programas de nutrição para diminuir casos de obesidade e incentivo ao pré-natal para gestantes. Segundo Mariana, os programas são formulados por empresas externas de gestão de saúde que não identificam os funcionários para as companhias, apenas porcentagens que revelam os problemas mais frequentes. “As empresas adotaram essa responsabilidade porque, no fim, o custo do plano está na mão delas. E um funcionário doente também impacta a produtividade, o engajamento e o resultado”, diz.
Fonte: Valor Econômico, por Letícia Arcoverde, 19.10.2017

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Mentiras e verdades sobre a reforma trabalhista.

Em Frankenstein, Victor é um cientista brilhante que quer criar um ser perfeito. No final, a criatura, um inteligente retalho de cadáveres, amaldiçoa e mata todos com quem Victor se importa.
Assim também é a Lei nº 13.467/2017, que alterou mais de cem pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), divulgada como “reforma” trabalhista. Mais honesto seria chamá-la de “deforma” trabalhista, pois retalhou e desfigurou o direito do trabalho, que nasceu com o objetivo de proteger a parte mais fraca da relação laboral.
Vejamos algumas verdades e mentiras sobre a “reforma” trabalhista.
A legislação trabalhista brasileira é velha e precisa ser modernizada: mentira. A CLT é de 1943, mas cerca de 85% do seu texto foi alterado nesses 74 anos para alinhá-la às mudanças sociais, a exemplo do trabalho remoto ou home office.
O excesso de direitos trabalhistas quebra as empresas: mentira. O que leva os negócios à falência é a falta de demanda, a burocracia e o risco inerente ao empreendimento. Trabalhadores com menos direitos terão menor renda, reduzindo ainda mais o consumo e deprimindo a economia.
Existem países sem Justiça do trabalho: mentira. Há países sem juízes especializados em direito do trabalho, mas o Judiciário de todo país democrático julga casos trabalhistas, pois onde há relações de trabalho, há conflitos que precisam ser resolvidos pelo Estado.
Uma legislação trabalhista mais flexível gerará mais empregos e o Brasil voltará a crescer: mentira. Quando a lei da reforma entrar em vigor, muitos empregos existentes serão substituídos por relações de trabalho piores, com menores salários. Menor salário é igual a menor consumo e, portanto, menor crescimento econômico, como mostra a experiência de países como a Espanha e a Grécia.
O trabalhador poderá ficar à disposição do empregador durante todo o mês ganhando menos que um salário mínimo ou sem salário: verdade. O contrato de trabalho intermitente permite o pagamento apenas das horas efetivamente trabalhadas pelo empregado. Quando não for convocado pela empresa, ficará sem nada.
Existirão empresas sem nenhum empregado: verdade. Todos os trabalhadores poderão ser “pejotizados”, transformados em autônomos ou terceirizados, mesmo que integrem a atividade principal do empregador e recebam ordens. O único propósito dessa mudança é diminuir custos para a empresa às custas dos direitos sociais.
A vida do trabalhador rico valerá mais que a do pobre: verdade. Eventual indenização por danos causados ao empregado em razão de acidente ou de doença do trabalho será tabelada de acordo com o seu salário. Na prática, se um pedreiro com salário de R$ 1 mil e um gerente com salário de R$ 20 mil morrerem num mesmo acidente, a família do mais humilde receberá até R$ 50 mil, enquanto a do gerente ganhará até R$ 1 milhão. Curiosamente, só trabalhadores dentre todas as pessoas terão teto para indenização.
A arrecadação da previdência social reduzirá: verdade. A reforma diminui o valor sobre o qual incidem as contribuições para o INSS. As empresas pagarão menos para a previdência e o valor das aposentadorias, que é bancado pelas contribuições, cairá.
A contribuição sindical deixará de ser obrigatória: verdade. Hoje, todos os empregados contribuem com um dia de salário por ano para o sindicato da sua categoria. Em contrapartida, são todos beneficiados com as vantagens conquistadas por eles. A contribuição opcional aliada à proibição de livre constituição de sindicatos levará ao seu enfraquecimento justamente quando estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado.
A negociação coletiva poderá prevalecer sobre a lei, mesmo para prejudicar o trabalhador: verdade. A Constituição só permite que a negociação coletiva prevaleça sobre a lei quando aumenta direitos, mas a lei autoriza a negociação para diminuir ou retirar direitos. Assim, um acordo coletivo poderá reduzir o intervalo do almoço ou aumentar a jornada de trabalho para doze horas diárias, sem pagamento de horas extras. Lembre-se que o sindicato sem dinheiro em razão da extinção da contribuição sindical é quem representará os trabalhadores nessa negociação.
Pouco ou nada se divulgou acerca da grande quantidade de prejuízos que a “reforma” representará para os trabalhadores, praticamente não houve debates sérios sobre os seus reais propósitos e as suas consequências para o país. Ainda assim, a “reforma” trabalhista foi defendida por poucos. Mais de 90% dos brasileiros mostraram-se contrários, como evidenciou pesquisa pública no site do Senado Federal. Aqueles que lutaram por sua aprovação, visavam incrementar seus lucros com as mudanças. A “reforma”, contudo, foi aprovada. O monstro de Frankenstein acordou.
(*) Cirlene Luiza Zimmermann e Rodrigo Assis Mesquita Procuradores do Trabalho.
Fonte: Correio Braziliense, por Cirlene Luiza Zimmermann e Rodrigo Assis (*), 21.08.2017

terça-feira, 13 de junho de 2017

juiz declara lícita terceirização de serviços de teleatendimento a clientes de cartões de crédito do Bradesco

Com base na nova lei, juiz declara lícita terceirização de serviços de teleatendimento a clientes de cartões de crédito do Bradesco
publicado 12/06/2017 00:02, modificado 12/06/2017 00:06
“Com edição da lei 13.429/2017 ("Lei da Terceirização") não há como prevalecer o entendimento sobre a ilicitude da terceirização de serviços de operação de telemarketing no segmento bancário, que tinha respaldo nas súmulas 331 do TST e 49 deste TRT. É que a nova lei autoriza a contratação de serviços terceirizados específicos, seja em atividade-meio, ou em atividade-fim da empresa contratante, diferenciação que, inclusive, deixou de existir com a nova lei, levando ao cancelamento dessas súmulas jurisprudenciais”. A decisão é do juiz Marco Aurélio Marsiglia Treviso, da 1ª Vara do Trabalho de Uberlândia, que, revendo entendimento anterior, considerou lícita a terceirização de serviços de atendimento a clientes de cartão de crédito do grupo Bradesco através do sistema de telemarketing.
No caso, a ação trabalhista foi ajuizada por uma trabalhadora que pretendia o reconhecimento do vínculo de emprego com o Banco Bradesco, inclusive com a declaração da sua condição de bancária para recebimento dos direitos da categoria. Ela havia sido admitida por uma empresa especializada no ramo de telemarketing (Algar Tecnologia e Consultoria S.A.) que, portanto, era sua empregadora formal. Mas desenvolvia suas atividades de atendimento a clientes de cartão de crédito em benefício do Grupo Bradesco, no sistema de telemarketing, em razão de contrato de prestação de serviços celebrado entre as empresas. Com base na nova “Lei da Terceirização”, o magistrado concluiu pela licitude da terceirização dos serviços realizada entre as empresas e, assim, rejeitou os pedidos da trabalhadora.
Normatização anterior já autorizava - Na visão do juiz, mesmo antes da nova lei da terceirização, todo o ordenamento jurídico já apontava para a possibilidade de terceirização de atividades específicas, ainda que diretamente ligadas àquilo que se denominava de atividade-fim. Para exemplificar, o magistrado citou os seguintes dispositivos legais:
1.o artigo 455 da CLT, que autoriza expressamente a empreitada e a subempreitada na construção civil;
2.o artigo 94 da Lei 9.472/1997 (Lei Geral da implementação de projetos associados Telecomunicações), que prevê a terceirização das atividades “inerentes, acessórias ou complementares ao serviço e a implementação de projetos associados;
3.o artigo 25, parágrafo 1º da Lei 8.987/95 (Lei de Concessão e Permissão de Serviços Públicos), que autoriza a terceirização das atividades “inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, assim como a implementação de projetos associados”
4.a Resolução 3110/2003 do Banco Central, que dispõe sobre a contratação pelas instituições financeiras “de empresas, integrantes ou não do Sistema Financeiro Nacional, para o desempenho das funções correspondentes no País”, que expressamente autoriza a terceirização de atividades ligadas à recepção e encaminhamento de propostas de emissão de cartões de crédito, assim como a execução de serviços de cobrança e outros serviços de controle, inclusive processamento de dados das operações pactuadas.
Além disso, o julgador ponderou não haver lei alguma que vede a terceirização de serviços específicos, tais como os relacionados à operação de telemarketing. E, nas palavras do juiz: “No campo do direito privado, não se pode esquecer que tudo aquilo que não é proibido é permitido (princípio da legalidade nesta esfera). O que sempre existiu foi apenas e tão somente um entendimento jurisprudencial (a Súmula 331 do TST) que reconhecia a ilicitude da terceirização da atividade-fim. E é exatamente neste entendimento que se baseia o pedido do reclamante, que, entretanto, em razão da nova lei das licitações, não pode mais ser adotado”.
O magistrado prosseguiu ressaltando que o cancelamento da Súmula 331 do TST (e, por consequência, da Súmula 49 do TRT/MG) é indiscutível, até porque o entendimento ali contido contraria todo o conjunto de normas que regulamentam a matéria, além de ter sido superado pela nova lei de licitações (Lei 13.429/2017). “Se até então havia dúvidas sobre licitude da terceirização de serviços de telemarketing para atendimento de clientes de cartão de crédito bancário, como ocorreu no caso, com o advento da Lei 13.429/2017 isso deixou de existir, porque a lei é clara quanto à possibilidade de terceirização dos serviços, ainda que em atividade-fim”, destacou.
Aplicação da nova regra e o princípio da irretroatividade da lei - O julgador lembrou que o entendimento sobre a licitude da terceirização dos serviços de telemarketing realizada pelo grupo Bradesco não significa a aplicação retroativa à Lei 13.429/2017. Isso porque, no pensar do magistrado, essa lei apenas reforça o convencimento de que o entendimento exposto na Súmula 331 do TST e na Súmula 49 do TRT/MG (sobre a ilicitude da terceirização) estava absolutamente equivocado, no plano jurídico, no que diz respeito à diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio. “Pelo menos desde 1995, a contratação de empresas específicas para a realização de atividades inerentes, acessórias e complementares a qualquer serviço já era expressamente autorizada por lei, jamais declarada inconstitucional pelo STF”, ressaltou o juiz. Nesse contexto, segundo o julgador, a lei 13.429/2017 apenas conferiu um caráter de generalidade àquilo que, em setores específicos da economia, já era expressamente autorizado, inclusive, no âmbito bancário (por força da Resolução 3110/2003 do Banco Central).
Para reforçar seu raciocínio, o magistrado destacou que, no Direito Penal, é pacífico que a lei possui aplicação retroativa quando torna lícita uma conduta que, até então, era considerada ilícita, exatamente o que ocorreu no caso, em que a lei 13.429/2017 simplesmente tornou lícita a terceirização de atividades que, até então, eram consideradas ilícitas. “E isso se dava por mero entendimento jurisprudencial, embora a existência de normas em sentido diverso do entendimento disposto na Súmula 331 do TST seja fato inquestionável”, ponderou, na sentença.
Por tudo isso, concluiu o magistrado, não há mais como entender que a terceirização dos serviços prestados pela reclamante, ligados à operação de telemarketing no segmento bancário, seria ilícita.
Vantagens da categoria bancária negadas - A operadora de telemarketing pediu ainda que, caso não reconhecido o vínculo de emprego com o Banco, como de fato aconteceu, fossem conferidas a ela as vantagens previstas nas CCTs dos bancários, invocando o princípio da isonomia, nos termos do artigo 12, alínea “a”, da Lei 6.019/74. Mas esse pedido também foi rejeitado na sentença. Isso porque, conforme registrou o juiz, o artigo 12 da Lei 6.019/74 foi expressamente vetado e, assim, a norma foi revogada e deixou de existir no mundo jurídico.
Mas, mesmo que tivesse sido diferente, o magistrado lembrou que, de acordo com a OJ 383 da SDI-1 do TST, os trabalhadores terceirizados somente teriam direito às mesmas verbas trabalhistas asseguradas aos empregados do tomador dos serviços (pelo princípio da isonomia), se houvesse igualdade de funções. Ou seja, a aplicação do princípio da isonomia depende expressamente da existência do requisito da identidade funcional, também previsto no artigo 461 da CLT, destacou o magistrado. E, no caso, como verificou o juiz, a reclamante não exerceu atividades e/ou funções idênticas àquelas exercidas pelos empregados das instituições bancárias, já que não manuseava valores em espécie, ou realizava operações mercantis específicas (DOC, TED, Leasing, CDC), como também nunca prestou serviços dentro de agências bancárias. “A identidade funcional entre os operadores de telemarketing e os empregados das instituições bancárias e/ou financeiras é algo inexistente”, destacou, na sentença.
Prosseguindo nos fundamentos de sua decisão, o juiz registrou que o princípio da isonomia, ao pé da letra, autoriza tratar os desiguais de forma desigual, na exata medida de sua desigualdade. E, para ele, no caso, a situação de desigualdade é tão evidente que, no âmbito sindical, as empresas prestadoras de serviço e os operadores de telemarketing possuem categorias econômicas e profissionais específicas, com regulamentação própria, como se nota pelas normas coletivas apresentadas. “Trata-se, portanto, de categoria profissional diferenciada, devidamente regulamentada, com sindicato de classe próprio destinado à conquista da melhoria da condição social dos trabalhadores integrantes desta categoria”, frisou o juiz, concluindo que não se aplicam à operadora de telemarketing as normas convencionais do seguimento bancário e/ou do sistema financeiro. Por tudo isso, os pedidos da reclamante foram rejeitados na sentença. A trabalhadora apresentou recurso, que se encontra em trâmite no TRT-MG.
Processo
• PJe: 0011609-17.2015.5.03.0043 (RTOrd) — Sentença em 05/04/2017

terça-feira, 30 de maio de 2017

Negociação direta poderá gerar novas ações judiciais.

Mantida pelo relator da reforma trabalhista no Senado, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), a regulamentação do contrato individual de trabalho, negociado diretamente entre empresa e empregado, poderá aumentar a demanda pela Justiça. Especialistas afirmam que a medida, prevista como uma possibilidade de redução de custos, traria o risco de novos processos judiciais. Trabalhadores poderão alegar que foram coagidos a aceitar as condições de trabalho.
Pelo substitutivo do Projeto de Lei nº 6.787, de 2016, aprovado na Câmara dos Deputados, as empresas poderão instituir, por meio do contrato individual de trabalho, jornada de 12 horas por 36 horas de descanso, compensação de jornada por meio de banco de horas, home-office e divisão de férias em até três períodos. Gera dúvidas, porém, se a negociação – prevista inclusive para o curso do contrato – poderá ser feita com todos os trabalhadores ou apenas com os mais qualificados, com salários acima de R$ 11 mil.
O senador Ferraço até manifestou-se contra a instituição da jornada de 12 horas por meio de acordo individual, por entender que o trabalhador “pode ser compelido a jornadas extenuantes”. Porém, decidiu não alterar em nada o projeto, lido na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), para que não precise retornar à Câmara dos Deputados. Pretende apenas sugerir vetos ao presidente da República. O texto, porém, ainda será votado em três comissões no Senado. Atualmente, a jornada de 12 horas e o banco de horas, por exemplo, só podem ser estipulados por acordo coletivo.
A justificativa do senador para manter em seu parecer a possibilidade de negociação direta foi a de que seria adotada apenas para trabalhadores “hipersuficientes”. Ou seja, “por profissionais disputados no mercado de trabalho que, por possuírem considerável poder de veto e poder de barganha, podem negociar com autonomia as condições de seu contrato, sem a tutela de sindicato, conforme o artigo 444 da CLT, na forma do PLC [Projeto de Lei da Câmara]”.
Porém, artigos específicos da proposta, como o 59-A (que trata de banco de horas) e o 59-B (jornada de 12 horas), têm gerado entre advogados dúvidas sobre o alcance da medida. Os dispositivos não trazem expressamente um limite, abrindo a possibilidade de a negociação direta ser adotada para todos os casos. Pela reforma, trabalhador hipersuficiente é aquele com nível superior e salário igual ou superior a duas vezes o teto de salário de contribuição do INSS (cerca de R$ 11 mil reais).
Para o advogado Peterson Vilela, do L.O. Baptista Advogados, a negociação só poderia ser feita com profissionais mais qualificados. “Caso contrário, quem se sentir lesado certamente irá à Justiça do Trabalho”, diz. Esse trabalhador hipersuficiente teria mais poder para impor condições à empresa. “É claro que no contexto atual de crise econômica, com milhões de desempregados, o trabalhador acabaria se sujeitando à proposta apresentada. Mas em outro contexto poderia negociar.”
A gerente jurídica da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Luciana Freire, concorda e acredita que a negociação direta só poderá ser adotada em casos excepcionais e para salários mais altos.
Apesar de haver em outros países previsão de contratos diferenciados para executivos de alto escalão, Otávio Pinto e Silva, advogado do Siqueira Castro Advogados e professor da Universidade de São Paulo (USP), lembra que a Constituição não faz diferenciação por salário. A redação do projeto, segundo Welton Guerra, do escritório Miguel Neto Advogados, dá margem para que possa valer para todos os trabalhadores, já que alguns artigos não fazem a distinção e todos teriam capacidade para negociar.
Nessas negociações, o trabalhador poderia abrir mão de alguns direitos menos importantes em troca de outros que considere mais relevantes, segundo o advogado Raimar Machado, presidente da Comissão de Direito Social da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Comissão de Justiça do Trabalho da seccional gaúcha. Porém, o projeto de lei não estabelece a obrigação de contrapartida, o que considera uma desvantagem.
Há especialistas, porém, que avaliam a medida como “perigosa”. Para a advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados Associados, professora da FGV-Rio e PUC-Rio, “ess e ponto da reforma exige uma maturidade que o trabalhador brasileiro não tem”. Ela lembra que o contrato de emprego caracteriza subordinação “e se o chefe dá ordens, o trabalhador é obrigado a aceitar”.
O procurador-geral do trabalho, Ronaldo Fleury, afirma que comentou sobre essa previsão em reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que gerou risos entre técnicos. “É algo que não tem parâmetro no mundo inteiro. Seria como uma criança querer fazer acordo com a mãe com o chinelo na mão”, diz.
Para Fleury, se o empregado não aceitar as condições será demitido. “Acordo individual não funciona no mundo inteiro. Por que funcionaria aqui? Será que o nível de igualdade aqui entre empregador e empregado é maior? Pelo contrário, é um dos piores que existe. É, portanto, uma proposta divorciada da realidade do mercado de trabalho.”
No entendimento do juiz da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP) Jorge Souto Maior, jurista e professor da USP, a negociação poderia ser feita por qualquer trabalhador, o que fará com que comecem a concorrer entre si. “Ganhará quem estiver disposto a um sacrifício maior, tornando de submissão essa relação empregador-empregado, como havia no Brasil e no mundo antes de 1919, quando foi constituída a OIT”, afirma.
Mesmo para funcionários com salários acima de R$ 11 mil, o juiz considera um equívoco acreditar que poderão atingir um patamar de igualdade com o empregador. “Não é um salário que representa independência econômica e quem aceitar menos direitos terá maiores possibilidades de entrar no mercado.”
Na prática, essas negociações poderão ser anuladas na Justiça, se houver prova de coação, segundo a advogada Fabíola Marques, professora da PUC-SP. Para a advogada Beatriz Dainese, do Giugliani Advogados, porém, vai depender muito do texto do contrato. “Direitos adquiridos, como plano de saúde, vale-transporte e vale-alimentação, deverão ser mantidos para não reduzir a remuneração do trabalhador”, diz.
O advogado Estevão Mallet, professor da USP, lembra que o artigo 9º da CLT, mantido intacto pela reforma, impede a negociação direta. Diz o artigo que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. Para ele, o dispositivo se aplica porque os trabalhadores estão em condição de vulnerabilidade perante as empresas.
Alguns pontos já são negociados diretamente, como o bônus de contratação, no qual em troca é exigida do trabalhador a permanência na companhia por determinado período. Porém, acordos têm sido questionados judicialmente, por não haver previsão legal, segundo o advogado Decio Daidone Junior, do escritório ASBZ Advogados. “Há diversas ações em que se discute, por exemplo, se a parcela negociada é salarial. Se assim for considerada, haverá repercussão no cálculo de outras verbas, como 13º salário, férias e FGTS”, afirma.
Fonte: Valor Econômico, por Adriana Aguiar, Laura Ignacio e Beatriz Olivon, 29.05.2017

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Jornada intermitente pode ficar restrita a serviços.

O relator da reforma trabalhista, senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES), pretende deixar explícito em seu relatório os pontos que acha necessário modificar na proposta. Ele deve incluílos não diretamente no texto principal, mas mencionará uma lista de itens na introdução. Entre eles, estará a restrição da jornada intermitente (que permite pagamento por hora trabalhada) apenas ao setor de serviços.
Ferraço já havia sinalizado que alteraria o artigo. Para ele, a permissão para esse modelo de jornada está muito “aberta”. O senador não mudará diretamente o texto porque, nesse caso, o projeto teria que voltar para a Câmara, o que desagrada ao governo, que tem pressa. A ideia que está sobre a mesa é a elaboração de uma medida provisória que trate desses temas separadamente.
Os detalhes das mudanças e o cronograma das atividades no Senado serão definidos em reunião hoje entre o presidente Michel Temer; a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), presidente da Comissão de Assuntos Sociais (CAS); Ferraço, que acumula a relatoria na CAS e na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE); e Romero Jucá (PMDB-RR), relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
— Algumas correções pontuais poderão ocorrer, mas não queremos que, votado na CAE e na CAS, haja uma modificação de última hora, seja na CCJ ou depois — disse o senador Aécio Neves (PSDB-MG), depois de reunião ontem no Palácio do Planalto.
Para Aécio, as futuras modificações na reforma, mesmo que sejam em MP, precisam ser negociadas com a base:
— Eventuais flexibilizações que possam vir a ocorrer têm que ser compartilhadas pelo conjunto da base. O presidente assumiu conosco o compromisso de fazer essa travessia juntos.
O relator já sinalizou com outras mudanças que devem constar em seu relatório. Ele é contrário, por exemplo, à permissão para que gestantes trabalhem em locais de insalubridade média e mínima, a menos que apresentem atestado médico. Ele também se opõe à extinção do intervalo de 15 minutos dado a mulheres quando elas tiverem que fazer horas extras.
O martelo ainda não está batido em relação a uma possível mudança na redação do artigo que prevê o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. O governo está disposto a tornar esse fim gradual, para acalmar os sindicatos, sobretudo o presidente da Força Sindical, deputado Paulinho da Força. Ferraço, no entanto, quer o fim imediato da obrigatoriedade e argumentou com Temer que isso não geraria apoio ao governo.
— O sinal do presidente em relação à contribuição sindical opcional é exatamente igual ao nosso. É necessário não retroceder em relação a esse ponto — completou Ferraço.
Fonte: O Globo, por Bárbara Nascimento e Júnia Gama, 17.05.2017
 

quinta-feira, 13 de abril de 2017

10 razões que demonstram a inconstitucionalidade da terceirização irrestrita

10 razões que demonstram a inconstitucionalidade da terceirização irrestrita


I INTRODUÇÃO


Foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.302/1998, que autoriza ampla terceirização tanto na iniciativa privada quanto no serviço público. No presente momento, o referido PL aguarda a sanção do Presidente da República, o que apenas deve ocorrer caso o texto seja compatível com a Constituição Federal (CF) e atenda ao interesse público. Do contrário, o veto se torna um dever do Chefe do Executivo, já que na estrutura normativa brasileira os atos de escalão inferior precisam encontrar seu fundamento de validade nos de escalão superior e a CF consiste na base última de validade de todo o sistema.

Assim, esse é um momento crucial para o aprofundamento dos debates acerca da constitucionalidade ou não do projeto da terceirização, bem como da sua eventual contrariedade ao interesse público. Para tanto, é imprescindível a compreensão do que foi estabelecido no Pacto Político de 1988 no que tange aos direitos do trabalhador.

Sob essa perspectiva, evidente o sistema protetivo consagrado no legado deixado pela Assembleia Nacional Constituinte para o trabalhador. Isso porque o art. 1º, IV, que trata dos fundamentos da República Federativa do Brasil, aponta como um dos seus princípios fundantes “os valores sociais do trabalho”. Já os arts. 6º a 11 da Carta Magna elencam o trabalho como um direito social básico e arrolam diversos outros direitos dos trabalhadores de natureza individual e coletiva.

Além disso, como uma demonstração cabal do compromisso com os direitos do trabalhador, o constituinte ainda manteve uma Justiça Especializada (Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Juízes do Trabalho, conforme art. 111) para processar e julgar as causas envolvendo as relações trabalhistas. Do mesmo modo, a CF previu a existência do Ministério Público do Trabalho para garantir o cumprimento dos direitos trabalhistas. A preocupação foi tamanha com esse tema que o poder de legislar sobre matéria trabalhista foi reservado privativamente à União Federal. Ainda, a União ficou com a competência de realizar, organizar, manter e executar a inspeção do trabalho.

No núcleo estruturante do capítulo da ordem econômica da CF, contido no art. 170, mais uma vez o trabalho recebe posição de destaque. Em um texto condensador dos valores da organização da economia no Brasil, o primeiro princípio citado pelo constituinte é o da “valorização do trabalho humano”. Acrescente-se que esse dispositivo expressamente faz referência ao objetivo da ordem econômica de garantir a todos existência digna e estabelece que essa finalidade será realizada “conforme os ditames da justiça social”.

Digno de registro, outrossim, que, nos termos do art. 186 da CF, a função social da propriedade apenas é atendida quando ocorre o respeito aos direitos trabalhistas. Inclusive, o trabalho constitui um dos pressupostos para o usucapião do art. 191.

A seu turno, a Ordem Social da Constituição é inaugurada com o art. 193 afirmando peremptoriamente que a sua base consiste no “primado do trabalho”. Acrescenta ainda esse relevante dispositivo que o desiderato da ordem social repousa no “bem-estar e na justiça sociais”.

Com relação à proteção da saúde do trabalhador, o art. 200, VIII, da CF, estabelece que é atribuição do Sistema Único de Saúde a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o ambiente de trabalho. Além disso, o sistema de Previdência Social é instituído com o escopo de proteger o trabalhador, principalmente quando não possui condições de exercer suas atividades laborais. O art. 201, § 10, ainda impõe a edição de lei para tratar da cobertura de risco de acidente de trabalho.

No âmbito da Assistência Social, o constituinte ainda deixou claro no art. 203, III, o seu objetivo de promover a integração da pessoa no mercado de trabalho. Também a educação no Brasil visa o desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho (art. 205), o que é reiterado no art. 214, que cuida do Plano Nacional de Educação.

Como forma de incentivar o desenvolvimento nacional, a CF no art. 218 prevê meios e condições especiais de trabalho para os empregados da área de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação. Além disso, assegura que esses trabalhadores perceberão ganhos em virtude da produtividade do seu trabalho.

O constituinte, ademais, estabeleceu o financiamento do seguro-desemprego pelo Programa de Integração Social (PIS) e pelo Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) no art. 239. Ressalte-se que o § 4º desse dispositivo ainda determina uma contribuição adicional para o empresário com rotatividade da força de trabalho superior ao do setor.

A proteção ao trabalho é tão relevante na Constituição Federal que o art. 243 impõe como sanção para a exploração de trabalho escravo a expropriação da propriedade urbana ou rural, sem qualquer indenização ao proprietário. O parágrafo único estende essa pena para todo bem de valor econômico apreendido nesse contexto. Isso demonstra até mesmo a flexibilização do tradicional direito de propriedade em face de grave violação da legislação trabalhista.

Enfim, esse é o arcabouço normativo da Constituição de 1988 que demonstra a preocupação com a proteção ao trabalhador. Trata-se, portanto, do paradigma a ser utilizado para fins de aferição da constitucionalidade ou não do projeto de lei que trata da terceirização ampla recentemente aprovada no Congresso Nacional, bem como da sua adequação ou inadequação ao interesse público.

De plano, com base nos dados apresentados em virtude da terceirização, percebe-se que sua inconstitucionalidade salta aos olhos. Isso porque, ao revés de promover a “valorização do trabalho”, como determinado pela Constituição, o modelo proposto pelo legislador infraconstitucional precariza as relações de trabalho. Antes, contudo, de apontar as razões pelas quais se pode chegar a esse entendimento, faz-se necessário examinar o regime jurídico determinado pelo Constituinte para os servidores públicos, uma vez que a terceirização da forma como está no projeto também poderá ser amplamente utilizada no serviço público. Aprofundemos essa análise.

Os arts. 37 a 42 da Constituição fixam as balizas para o desempenho de funções públicas, de maneira a que a população brasileira tenha acesso a serviços públicos de qualidade. Nesse sentido, o art. 37, II, estabelece a necessidade de aprovação em concurso público para ingresso em cargo ou emprego público. Com isso, observam-se princípios da impessoalidade, moralidade, eficiência, entre outros.

Quanto à disciplina jurídica dos servidores, o art. 39 impõe para os Entes Federados a instituição de regime jurídico único e plano de carreira para os seus servidores. Além disso, como uma das prerrogativas mais relevantes para que o ofício do servidor seja cumprido adequadamente, o art. 41 assegura a estabilidade para quem tenha mais de três anos de efetivo exercício.

Diferentemente do que possa parecer à primeira vista, essas regras especiais não são instituídas como um privilégio para o servidor. Trata-se de um mecanismo que permite a prática do ato administrativo de maneira imparcial, mesmo contra autoridades, preservando a impessoalidade do serviço público e a aplicação da lei de forma isonômica para todos os cidadãos. A título de ilustração, um Oficial de Justiça que não possuísse as prerrogativas de servidor público e fosse praticar um ato constritivo na residência de um Ministro do Tribunal Superior em que atua, correria risco de demissão, ainda que se mantivesse estritamente dentro da legalidade.

Pois bem. À luz do panorama do sistema protetivo do trabalhador e do regime jurídico específico para os servidores públicos, pode-se investigar se a lei da terceirização ampla é ou não compatível com esse modelo. Após essa verificação, chega-se à conclusão de que o PL n. 4.302/98 se mostra inconstitucional e fere o interesse público conforme razões expostas a seguir.

II – 10 RAZÕES DA INCONSTITUCIONALIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO IRRESTRITA


1 – A aprovação do PL 4.302/98 violou o processo legislativo


O primeiro vício de inconstitucionalidade do PL n. 4.302/98 ocorreu na sua própria tramitação. Isso porque no dia 19.08.2003 houve o pedido de retirada do projeto pelo Presidente da República, autor da matéria.

Com efeito, o art. 104 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê que, na hipótese de pedido de retirada de proposição do autor, o pedido deve ser submetido à decisão do Presidente da Casa Legislativa, com recurso ao Plenário. No entanto, em nenhum momento isso ocorreu. Desse modo, houve a impetração dos Mandados de Segurança 34.711 (partidos Rede, PDT e PT), 34.708 (Deputado André Figueiredo) e 34.714 (Deputado Carlos Zarattini) no Supremo Tribunal Federal e o relator, Ministro Celso de Mello, determinou que a Câmara se pronunciasse.

2 – A terceirização ampla precariza as relações de trabalho


Em diversos aspectos a terceirização irrestrita compromete os direitos trabalhistas. A título de ilustração, pode ser citado o fato de que os terceirizados percebem remuneração em média 25 a 30% menor do que os trabalhadores diretos e trabalham 3 horas a mais por semana, conforme dados da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho.

Ainda que a jurisprudência possa corrigir alguns abusos por meio da teoria do salário equânime, igualando a remuneração de trabalhadores diretos e terceirizados, a irregularidade é mantida de maneira ampla. Ainda é possível burlar a sistemática, contratando trabalhadores de localidade próxima em que o piso salarial é menor.

Exatamente para evitar esses abusos, o Tribunal Superior do Trabalho há alguns anos havia editado a Súmula 331. Nesse enunciado, a Corte Trabalhista declarou a ilegalidade da terceirização, salvo no que diz respeito aos serviços de limpeza e conservação e de vigilância, bem como quando se tratasse da atividade-meio.

Agora, com a liberação da terceirização na atividade-fim, há uma grande probabilidade de se estabelecer uma subordinação direta do trabalhador à tomadora dos serviços. Com isso, haverá mais uma forma de burlar a legislação laboral. Portanto, a Lei da Terceirização é flagrantemente inconstitucional, uma vez que ao invés de valorizar o trabalho, o precariza.

3 – Números demonstram que o trabalho terceirizado está mais sujeito a acidentes do trabalho


Conforme dados da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, de cada 10 acidentes do trabalho, 8 ocorrem com terceirizados. Na mesma linha, de cada 5 mortes por acidente de trabalho, 4 são de terceirizados. Isso mesmo havendo no Brasil atualmente 12 milhões de trabalhadores terceirizados e 35 milhões de contratados diretamente.

Desse modo, fica evidente a violação ao art. 7º, XXII, da CF, que estabelece como direito do trabalhador a redução dos riscos do trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Ora, se está demonstrado que uma modalidade de trabalho eleva o risco de acidente, evidentemente que, nos termos da Constituição, essa espécie deve ser reduzida e não liberada amplamente. Portanto, também nesse ponto a Lei da Terceirização padece de vício flagrante de inconstitucionalidade.

4 – O PL não proibiu o fenômeno da “pejotização”, afastando a proteção trabalhista


Um dos piores problemas do projeto da terceirização irrestrita se refere à possibilidade de “pejotização” que manteve. Esse fenômeno trata da transformação do trabalhador em empresário como forma de burlar a legislação trabalhista. O termo se refere à substantivação da sigla PJ – Pessoa Jurídica, porém, tecnicamente, não necessariamente o trabalhador será pessoa jurídica, uma vez que pode optar pela modalidade de empresário individual e este é a pessoa natural que exerce atividade empresária. Contudo, como recebe um CNPJ específico e mais alguns atributos ligados à empresa, essa expressão se popularizou. 

Nesse caso, muitas vezes, o empresário individual, normalmente enquadrado como MEI (Microempreendedor Individual), realiza atividades com pessoalidade, subordinação, habitualidade e onerosidade. No entanto, deixa de receber as verbas trabalhistas, uma vez que se encontraria prestando serviços e não trabalhando. A “pejotização” também ocorre quando o trabalhador é submetido à criação de uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) ou de uma sociedade empresária para prestar serviços sem a caracterização, em tese, do vínculo laboral (nessas hipóteses, ocorre realmente a criação de uma pessoa jurídica). No projeto de terceirização que tramita no Senado, há dispositivo que impede a “pejotização”, estabelecendo restrições para que um trabalhador seja contratado como pessoa jurídica (ou prestador de serviços). O risco é tão grande com a “pejotização” que vozes no governo já se preocupam com a perda de arrecadação decorrente.

O fato é que se trata de mais uma forma de burlar a legislação trabalhista. Assim, em virtude da relevância que a Constituição Federal atribui ao trabalho, a lei da terceirização é inconstitucional também por essa razão.

5 – A lei da terceirização irrestrita impõe responsabilidade subsidiária do empregador, dificultando o recebimento dos créditos trabalhistas


Outra falha grave da lei recentemente aprovada no Congresso Nacional se refere à responsabilidade subsidiária que instituiu. Deveras, o PLC 30 que se encontra no Senado e também trata de terceirização estipula a responsabilidade solidária, com uma proteção mais ampla ao trabalhador.

Na responsabilidade subsidiária, como o trabalhador precisa acionar primeiro a empresa terceirizada para, apenas no caso de insuficiência de bens, dirigir sua demanda contra a tomadora de serviços, seus direitos ficam prejudicados. As verbas trabalhistas possuem natureza alimentar e, portanto, precisam de um sistema célere. Desse modo, também nesse aspecto a lei da terceirização ampla possui vício de inconstitucionalidade e contraria o interesse público.

6 – A terceirização ampla prejudica a representação sindical


A representação sindical também é um ponto relevante que demonstra a incompatibilidade do projeto com o interesse público. Nada ficou definido com relação ao sindicato que poderá representar a categoria dos terceirizados.

Essa lacuna na representação sindical retira do trabalhador a condição de negociação com o empresário em melhores condições. Não é à toa que a Constituição de 1988 atribui prerrogativas tão relevantes para os sindicatos, especialmente em seu art. 24.

7 – A terceirização ampla viola o princípio do concurso público


A aprovação do projeto da terceirização pode causar um efeito maléfico de reduzir drasticamente a quantidade de concursos públicos. Com a possibilidade de terceirar até mesmo a atividade-fim, nada impede que o lugar dos servidores seja ocupado por terceirizados, inclusive “apadrinhados” de políticos.

Naturalmente, essa possibilidade viola frontalmente o princípio do concurso público. A Constituição Federal não criou aleatoriamente a disciplina do ingresso no serviço público e muito menos passou um cheque em branco para o legislador infraconstitucional decidir ao seu alvedrio se contrataria servidores públicos ou terceirizados. Portanto, se a terceirização de atividade-meio já padece de vício de inconstitucionalidade, a da atividade-fim fere de morte o espírito constitucional nesse tema.

8 – A terceirização irrestrita reduzirá a qualidade dos serviços públicos, uma vez que os trabalhadores terceirizados não possuem a autonomia e nem a qualificação específica para o desempenho da função


Um problema grave decorrente da terceirização irrestrita na Administração Pública alude à impossibilidade de os trabalhadores terceirizados desempenharem as funções públicas com total independência. O vínculo laboral não oferece a segurança necessária para quem pratica atos constritivos, razão pela qual a tendência é que pessoas poderosas e influentes consigam se evadir da correta aplicação da lei.

Ademais, uma triste realidade é que o nível de instrução dos trabalhadores terceirizados é bem inferior ao dos servidores públicos. De acordo com informações da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), 75,9% dos terceirizados possuem instrução que chega no máximo ao ensino médio. De outro lado, conforme dados da Escola Nacional de Administração Pública, menos de 30% dos servidores do Executivo só possui nível médio.

Consequentemente, também o comprometimento da qualidade dos serviços públicos é mais uma razão que fundamenta a inconstitucionalidade do PL 4.302.

9 – O projeto da terceirização rompe com o modelo do Estado de Bem-Estar Social da CF


Apesar de no Brasil não ter havido nada parecido com o Estado do Bem-Estar Social Europeu, é importante ressaltar que a Constituição de 1988 estabeleceu esse modelo como objetivo a ser perseguido. Assim, no texto constitucional a presença do Estado em muitos setores se mostra fundamental para o cumprimento das promessas de justiça social, redução das desigualdades e existência digna de todos.

Nesse contexto, a Lei da Terceirização ampla se mostra incompatível com esse paradigma. Isso porque o modelo constitucional valoriza o trabalho humano e reserva o desempenho de funções públicas para as pessoas aprovadas em concurso público. Portanto, ao reduzir a proteção do trabalhador e permitir o exercício de funções públicas sem concurso, a lei da terceirização se afasta do espírito do constituinte.

10 – A terceirização ampla viola o princípio da vedação do retrocesso social  


O princípio da vedação do retrocesso social consiste na impossibilidade de retirada pelo Poder Público de direitos sociais conquistados por uma determinada sociedade. Ainda que esse postulado seja flexibilizado em momentos de crise, nada justifica a lei da terceirização.

Com efeito, não houve nenhum estudo detalhado que demonstrasse qual tipo de benefício a terceirização ampla traria à sociedade. Desse modo, a retirada de direitos trabalhistas não encontra fundamento, restando completamente inconstitucional o PL 4.302


III – CONSIDERAÇÕES FINAIS


Por todas essas razões, trata-se de dever do Presidente da República vetar integralmente o PL 4.302/1998 por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos do art. 66, § 1º, da CF. Entretanto, caso não o faça, a responsabilidade política pela deflagração do controle de constitucionalidade passa a ser do rol de legitimados do art. 103 da Constituição. Como exemplo, podem ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade nesse caso o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Para além do controle concentrado, o crivo de constitucionalidade difuso também será de suma importância para assegurar os direitos dos trabalhadores nos processos individuais. Assim, a Justiça do Trabalho assume um papel fundamental como uma das últimas trincheiras na proteção dos direitos do trabalhador, por meio do estrito cumprimento da legislação trabalhista.

O desafio está posto para o sistema do controle de constitucionalidade no Brasil, tanto político quanto jurisdicional, nos modelos concentrado e difuso. Há algum tempo que não se vê a aprovação de um projeto tão contrário ao espírito da Constituição de 1988. Agora, aguarda-se uma resposta à altura por parte dos juristas. A população clama por justiça!

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)

LIMA FILHO, Gerardo Alves. Terceirização geral é inconstitucional. Listamos 10 motivosRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22n. 50254 abr. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/56816>. Acesso em: 13 abr. 2017

segunda-feira, 27 de março de 2017

10 perguntas e respostas sobre terceirização e emprego temporário O Senado tenta aprovar uma lei com mais restrições à terceirização

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira o projeto que libera a terceirização do trabalho e também altera as regras para contratação temporária. O texto segue para a sanção do presidente Michel Temer. O Senado tenta aprovar uma lei com mais restrições à terceirização.
Veja abaixo dez perguntas e respostas sobre as mudanças aprovadas pela Câmara:
1. Quais atividades podem ser terceirizadas?Segundo o texto da Câmara, todas as atividades das empresas, inclusive as chamadas atividades-fim. Isso significa que uma escola poderá terceirizar professores, e não apenas os funcionários da manutenção e limpeza.
2. O trabalhador terceirizado tem carteira assinada?Sim, a carteira de trabalho é assinada pela terceirizada, não pela empresa na qual ele presta serviços.
3. Quais direitos o trabalhador terceirizado não tem?Ele tem os mesmos direitos que o funcionário contratado diretamente pelas empresas, como férias, 13º salário, FGTS e vale-transporte.
4. O terceirizado tem os mesmos benefícios do contratado direto?Ele tem direito aos benefícios que a terceirizada, que assinada sua carteira oferece, que podem não ser os mesmos da empresa na qual presta serviços, como assistência-médica e odontológica.
5. Se os direitos são os mesmos, por que o trabalhador terceirizado é mais barato?A empresa contratante não tem mais os custos de admissão e demissão do funcionário, que passam a ser da terceirizada. Ela também não precisa mais se fazer provisão para arcar com custos de eventuais ações trabalhistas.
6. O terceirizado pode ser sindicalizado?Pode, mas deve se filiar a um sindicato de prestadores de serviços, e não à entidade que representa os trabalhadores da empresa na qual exerce suas atividades.
7. O terceirizado ganha menos que o contratado direto?O texto aprovado na Câmara não garante que terceirizados ganhem o mesmo que os contratados na mesma função. Entidades sindicais dizem que a massa salarial caiu nos países que adotaram a terceirização irrestrita.
8. As empresas podem demitir funcionários e recontratá-los como terceirizados?Sim, o texto aprovado na Câmara não prevê nenhum impedimento para as empresas adotarem essa estratégia.
9. O que muda no trabalho temporário?Empresas não podiam contratar trabalhadores temporários por mais de três meses. Agora, o prazo foi ampliado para seis meses, podendo ser prorrogado por mais três.
10. Que direitos o trabalhador temporário não tem?Ele não tem direito ao aviso-prévio de 30 dias, pois seu contrato de trabalho é por tempo de trabalho determinado.
Fonte: Veja

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

TST - Sócio oculto terá de responder por verbas trabalhistas devidas a ex-empregada

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou, por unanimidade, provimento ao agravo de um empresário condenado a responder pelas dívidas trabalhistas de uma empregada da Arlindo Postal Ltda., na qualidade de sócio oculto da empresa.
A Turma afastou sua alegação de cerceamento do direito de defesa porque a sentença foi baseada em documentos encontrados pelo juiz no Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional do Banco Central (BACEN-CCS), sem que tivesse a oportunidade de se manifestar e produzir contraprova.
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), ao manter a condenação, registrou que, apesar de o empresário ter se retirado da sociedade, ele continuou e continua como responsável legal pela empresa na qualidade de sócio oculto, e se beneficiou do trabalho da empregada durante todo o contrato de trabalho.
Destacou ainda que o empresário comprou imóvel da empresa, que passou a ser locatária, em nítida fraude contra credores, com o objetivo de retirar o imóvel do patrimônio da empresa.
Convênio
Segundo o relator do recurso, ministro Vieira de Mello Filho, não houve cerceamento de defesa, uma vez que é possível consultar o sistema BACEN-CCS posteriormente ao ajuizamento dos embargos à execução.
Uma vez firmado convênio para conferir efetividade às execuções trabalhistas, o juiz pode obter informação das contas bancárias da sociedade para verificar se o sócio a quem foi redirecionada a execução ainda figurava como responsável legal, independentemente de consulta às movimentações bancárias e mesmo após o fato alegado, afirmou.
Cabe ao magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, destacou Vieira de Mello Filho.
Mais que isso, na fase de cumprimento de sentença o compromisso do juiz é a com a efetividade da decisão proferida.
Processo:AIRR-359-51.2012.5.04.0661
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho